Conheça a técnica centenária africana que vem contribuindo para uma nova perspectiva ocidental sobre prazer sexual que foca no relaxamento e estimulação da vulva e o clitóris.

crédito: Maria Chantal
Como pesquisadora do corpo, venho buscando referências e possibilidades com relação ao sexo que não sejam eurocêntricas. Encontrei até aqui alguns caminhos, o tantra, kachabali e o kunyaza.
Falando especificamente sobre o Kunyaza, posso dizer que representa a possibilidade de ter referências africanas, ou seja, corpos negros pensando no prazer de corpos negros, além de ser um tipo de prazer que traz uma proposta bem diferente ao que estamos acostumadas em países ocidentalizados..
Para trazer esse tema com qualidade estou usando como fonte principal o livro Kunyaza, escrito por Habbeb Akande, de 2018. Trarei aqui trechos traduzidos do livro que ainda não tem versão em português . Outras referências serão creditadas no final. Antes de falar diretamente sobre o assunto, acredito que precisamos falar sobre alguns assuntos previamente, por isso dividi a matéria em alguns pontos.

Fonte: Encyclopedia Britannica, Inc
Geografia
Ruanda é um país localizado no centro leste africano, faz fronteira com Uganda, Tanzânia, Burundi e Republica Democrática do Congo. No ano de 1994 Ruanda foi palco de um genocídio, resultado da guerra entre os grupos etinicos Hutu e Tutsi onde 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias e 500 mil mulheres denunciaran ter sido vítimas de estupro na época do conflito. Hoje com seus 13 milhões de habitantes o pequeno país se tornou um representante da equidade de gênero e liderança feminina, por alguns motivos:
1. Ruanda é o país com a maior representação política feminina.
"Em 2003, como parte da recuperação do país pós genocídio e do projeto de extensão do papel das mulheres em todas as esferas da vida pública, a Nova constituição de Ruanda estabeleceu uma cota obrigatória para mulheres de 30% em todos os "órgãos de decisão". (Art. 9 Constituição de Ruanda/2003) e essa inclusão se torna mais notável a cada eleição. Em 2013 o país ganhou o prêmio internacional "Women in national parliament" por seu trabalho inspirador em promover empoderamento político das mulheres."¹
A última atualização do site Woman in national Parliaments, ocorreu em de 2019 e Ruanda continua em primeiro lugar na lista, o Brasil está na posição 132.
2. Ruanda é um país que originalmente dialoga sobre a importância do prazer feminino.
"Unter fremdem Decken Ruanda", de tradução literal para "Sob estranhos cobertores de Ruanda", é um documentário alemão de 2014,que se propõem a encontrar o melhor sexo do mundo. Um dos episódios é sobre o país africano, e constatou que as mulheres de Ruanda são as mais satisfeitas sexualmente do mundo.
O documentário listou alguns países, Japão 11%, Alemanha 33%, Brasil 44%, Espanha 52% e Ruanda com 80% da população feminina afirmando que regularmente experimentam orgasmos.
Eu particularmente tenho minhas ressalvas com relação aos dados apresentados, relacionado ao Brasil, mas essa é uma conversa que vou desenvolver mais no final da postagem.
De acordo com "Woman in national Parliaments" Ruanda é o país com a maior representação política feminina.
Lenda
Na língua Rundi, kunyaza significa literalmente liberar líquido. Faz referência a uma prática que se originou na região dos grandes lagos do leste africano, mais especificamente o lago Kivu, que é o maior lago de Ruanda e um dos maiores lagoa do continente africano.
Após essa ligeira introdução, sinto que podemos falar diretamente sobre Kunyaza.
De acordo com a lenda Kunyaza data a terceira dinastia da monarquia de Ruanda, quando a rainha estava sexualmente insatisfeita, pois o rei estava em uma campanha militar. A rainha convocou então um guarda chamado Kamagere, para fazer amor com ela ou ela enlouqueceria. O guarda no primeiro momento recusou o convite e só aceitou depois que a rainha ordenou sua morte, caso ele não obedecesse.
Kamagere ficou tão ansioso e trêmulo que durante o encontro amoroso com a rainha, começou a bater com seu pênis no clitóris da rainha. Ela sentiu um prazer nunca experimentado nem com o rei. O ato fez com que ela liberasse uma grande quantidade de líquido através da vulva.
Quando o rei voltou, a rainha instruiu o rei sobre a técnica.²
Uma outra versão sobre a origem do surgimento da técnica se deu quando o rei foi para guerra e a rainha então para se satisfazer começou a se tocar a ponto do líquido ser liberado pela vulva. Quando o rei retornou foi instruído pela rainha de que a penetração não era a única que ela queria.
Contam que o fluido liberado pela rainha foi o que deu início ao lago Kivu, chamado de fonte da vida. O líquido liberado pela rainha foi chamado de kunyara e a técnica de batidas foi chamada de Kunyaza.³
Um rio que esquece as suas fontes certamente irá secar - Provérbio Yoruba
Descrevendo a técnica
Habbeb Akande, no livro "Kunyaza" conta que, um dos objetivos da prática que dá nome ao seu livro, atualmente tem o propósito de prevenir a infidelidade e manter a castidade feminina.
Similar ao chamado sexo tântrico, kunyaza é uma prática que incluí penetração vagarosa, intimidade a partir do toque do olhar e que cria conexão emocional entre os envolvidos e se inicia na mente, seu compromisso é com o sensorial, não com o tempo.
"Kunyaza'' é uma técnica que se originou em Ruanda, país do leste africano. A técnica leva ao orgasmo durante o encontro amoroso. A prática propõem um estímulo clitoriano e outras regiões erógenas da vulva e vagina usando o pênis para dar batidas nesses pontos, além de fazer movimentos em zigue-zague ou círculos."
Com frequência esse tipo de estímulo leva a Kunyara, ejaculação vulvar e múltiplos orgasmos.
Essa é uma prática que faz um convite a redescobrir um antigo tesouro de uma experiência erótica intensa em uma descomplicada e altamente prazerosa forma nunca experimentada por muitas. A técnica envolve uma combinação de penetração e a não penetração, que pode ser dividido em simples e mais complexo.
A forma simples é a estimulação da glande do clitóris a partir da glande peniana, a chamada cabeça do pênis. Onde move-se o pênis do topo para a base da vulva e vice-versa. Também podem ser feitos movimentos circulares em torno do clitóris, permanecendo por um tempo no sentido horário e depois anti horário
Uma outra opção é com o pênis, dar leves batidas na glande do clitóris e nos lábios internos, para elevar a excitação. Tanto a glande quanto o pênis de uma forma geral devem ser usados para pressionar a vulva. Os movimentos em zig-zag podem ser feitos a partir iniciando na glande do clitóris e indo em direção a vagina, da direita para a esquerda.
Usar lubrificantes ou óleos vegetais apropriados, como óleo de coco extra virgem, pode aumentar a excitação.
A forma prática complexa do Kunyaza vou deixar para falar futuramente aqui no blog, quando eu escrever sobre o documentário Sacred Water.
Um grande tabu é o orgasmo feminino. Em uma sociedade patriarcal e machista, prazer sexual feminino não é realmente discutido ou priorizado. Alguns homens pensam que eu estou forçando e demandando algo que não é africano. Enquanto que outros estão felizes e ansiosos para se tornarem parceiros melhores. - Valentine Njoroge, escritora sexual feminista Queniana
Sempre fico encantada com as técnica não ocidentais, que se propõem ao prazer vital, isso porque, uma técnica como essa requer compromisso e mudança na forma de olhar o próprio corpo e o da outra pessoa. Alguém que tem como referência o pornô ou mesmos filmes e novelas, que coletivamente são os ponto de partida, perceberá o fato da prática não ser falocêntrica, não é sobre ejaculação peniana e isso já representa um marco. Outro ponto é com relação ao tempo, que podem ir de 5 minutos a mais tempo, além do respeito aos corpos envolvidos. Compreender que o prazer não pode ser exclusivo de quem tem pênis é permitir que haja um debate social sobre prazer coletivo é mostrar respeito, principalmente quando você se relaciona com alguém com vulva .
Foto: Victorya Nyanza
Estude prazer numa perspectiva africana, compre agora seu exemplar do livro Kunyaza.
Não tenho a pretensão de santificar nenhuma cultura. Falo isso aqui fugindo da ideia de que o continente africano parou em 1500 e não sofreu, e sofre, influencia colonial nenhuma. Cada forma de dominação europeia influenciou para uma organização cultural diferente. Acredito, pela fala de alguns sexólogos, "Ssengas" e educadores sexuais exista sim um tabu gigantesco relacionado ao assunto, mas ao mesmo tempo kunyaza faz parte da cultura do país e muitos profissionais tem usado suas vozes e plataformas para trazer esse conhecimento a um número mais ampliado e quebrar os estigmas relacionados a cultura local.
Mas sigo admirando essa técnica ancestral, e a cultura que a cerca. Ruanda acaba funcionando como uma referencia positiva, para diversos países, mostrando que existe no passado respostas para problemas tão urgentes como os números nacionais de insatisfação feminina tão elevados, onde 50% tem dificuldade de chegar ao orgasmo, de acordo com a pesquisa Mosaico Brasil 2.0, de 2016⁴, Dados da pesquisa Prazerela, de 2018, apresentam números piores, 74% das mulheres tem orgasmo com a masturbação, mas apenas 36% atingem o ápice do prazer sexual com os(as) parceiros(as).⁵
O fato de não termos uma educação sexual de qualidade nas escolas e uma mídia que nos traz referencias de corpo e possibilidade erótica, que não condizem com a maioria da população do planeta também atrapalha. Muita gente acredita que nunca vivenciou um orgasmo por ter anorgasmia, quando na verdade o problema está na falta de estimulação ou a forma correta dela. Aprendemos que o prazer fálico é o central e a vagina deve acompanhar, quando na verdade, de acordo com a Pesquisa Prazerela somente 16% sentem prazer durante a penetração vaginal.
Narrativas como Kunyaza são importantes, por proporem um dialogo mais amplo. Então, se olhar para o passado é olhar pro futuro, assim o façamos e através da prática é uma dessas possibilidades.

Foto: Victorya Nyanza
Conselhos
Kunyaza como uma técnica que estimula a vulva como um todo, por consequência consegue massagear o clitóris de forma mais completa, da glande, a parte visível por baixo do capuz do clitóris até a crura. Mas aqui vão práticas que vão te ajudar a ter um encontro amoroso de maior qualidade para praticar com mais leveza.
Não se concentre nos seus defeitos, mas nas suas qualidades. Autoconfiança é sexy.
Seu maior órgão sexual é sua mente. Se veja como uma pessoa sensual.
Masturbação ajuda a promover autoconhecimento, além de maior conhecimento sobre seu próprio corpo. Adote essa prática no seu dia a dia.
Relaxe. Libere tensão, seja por meio de um banho quente ou automassagem.
Tenha práticas prazerosas durante o dia e semana. Se divirta mais.
Se permita pensar em sexo, sem culpa. Você pode começar lendo poesia erótica.
Compartilhe comigo o que tem te ajudado a se aproximar do seu próprio corpo e seu feedback sobre essa publicação.
Referências:
⁵ https://revistamarieclaire.globo.com/Amor-e-Sexo/noticia/2018/09/apenas-36-das-mulheres-tem-orgasmo-durante-o-sexo-mostra-pesquisa-inedita.html
https://www.vidaeacao.com.br/por-que-mais-da-metade-das-mulheres-nao-chegam-ao-orgasmo/
Gratidão por esse conteúdo incrível! Com certeza vou me inscrever neste curso e indicar para pacientes, amigas e alunas!
O prazer sexual feminino precisa ser cada vez mais debatido, pra que os mitos sejam quebrados e as pessoas com vulva possam alcançar sua liberdade sexual.